Lei para conectar a periferia à internet servirá para que pessoas consigam receber os tablets prometidos no ano passado e ainda poder usufruir da rede de conexão
A pandemia fez as escolas fecharem e com isso veio à tona o grande abismo de desigualdade social na maior metrópole do país. Prova disso é que apenas no mês passado que a aluna Maryana Siqueira de Lima, de 8 anos, recebeu seu tablet da prefeitura. Após meses esperando pelo equipamento veio junto a decepção: o chip que permitiria acesso à internet não funciona onde ela mora, no Capão redondo, na periferia da zona sul.
Lei para conectar a periferia à internet
No entanto, uma lei para conectar a periferia à internet é uma das prioridades do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Ele pretende enfrentar o já conhecido cotidiano de exclusão digital, tão exposto com a chegada da Covid-19. Além disso, a aprovação de tal legislação visa a instalação de antenas de celular e internet que ajude a ampliar a cobertura.
Sendo assim, na semana passada, o Executivo enviou um projeto de lei à Câmara Municipal que altera as exigências atuais e pode ser votado já nesta quarta-feira (16).
Segundo a proposta, fica estabelecida uma espécie de “compensação social” para as empresas interessadas em licenciar novas estações de rádio-base ou mesmo regularizar equipamentos considerados ilegais pela Prefeitura.
Comissão Parlamentar de Inquérito
Além disso, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), conduzida pela Casa em 2019, indicou pelo menos R$ 43 milhões em multas aplicadas às operadoras sem que fossem pagas. Na maioria dos casos, o valor se refere a antenas instaladas sem licença e em locais não prioritários.
Mapa digital da cidade
Por outro lado, o mapa digital da cidade é claro. Neste caso, os residentes dos bairros mais distantes do centro são os que possuem mais dificuldades para conseguir sinal de qualidade.
Vale destacar que em muitos locais este sinal sequer existe. E isso deixa parte da população sem acesso a serviços públicos, que agora são ofertados de modo online. Há casos de falta de acesso não só em escolas, mas em postos de saúde também.
Serviço essencial
Sem contar que pela pandemia o fornecimento de internet já virou serviço essencial. Assim como a oferta de água, luz e esgoto. É o que afirma o diretor da escola onde Maryana estuda, Fábio Botta, da Emef João Pedro de Carvalho:
“Os alunos mais pobres não têm wi-fi em casa. Para eles, se o chip não funciona, o tablet não serve. A cobertura precisa ser ampliada para que esses estudantes tenham acesso ao nosso conteúdo.”
Área prioritária
Se a lei que conecta a periferia à internet for aprovada, a proposta permitirá que o município estipule uma área prioritária para receber novas antenas. E se as operadoras quiserem atuar fora desse perímetro, serão obrigadas a compensar a cidade com instalações em locais indicados.
Todavia, o prefeito Ricardo Nunes afirma que esse é um modo de estimular a universalização de cobertura. Por consequência, haverá uma maior efetividade dos programas e investimentos realizados pela gestão. Apenas na compra e configuração dos tablets, foram gastos R$ 600 milhões.
“Não temos legislação que contemple a tecnologia atual. As antenas são bem menores agora e podem ser pulverizadas. Além da questão do 5G, percebemos com a entrega dos tablets que, mesmo com o chip, muitos ficam sem acesso. E é por isso que propomos esse contraponto na lei: se uma empresa quiser colocar uma antena na Vila Mariana, por exemplo, terá de instalar outra em Perus.”
Usurpação de competência
De acordo com o vereador Milton Leite (DEM), presidente da Câmara, o texto deve receber alterações durante o processo de votação para que a nova lei determine ainda que as licenças sejam dadas da periferia para o centro. Exigências que, segundo a associação do setor, são “usurpação de competência”.
Por outro lado, Luiz Henrique Barbosa, presidente da TelCom, destaca que a atual lei foi considerada constitucional. E justamente por avançar em temas que não são de sua competência.
“Legislar sobre telecomunicações é uma competência da União. Por mais louvável que seja a iniciativa de apontar áreas prioritárias essa não é uma função da Prefeitura. Esse caminho deveria ser trilhado de forma institucional, não por meio de lei. Está se criando um monstrinho.”
Por fim, a mãe de Maryana, a auxiliar técnica Aline Aparecida Siqueira, que o debate político deveria ser um só: conectar os que estão fora da rede.
“A sorte é que moramos ao lado da minha mãe e dá para pegar o sinal de internet que ela tem em casa.”
*Foto: Divulgação/Marlene Bergamo/Folhapress