As alterações recentes na Lei de Recuperação Judicial, que visam modernizar o processo e aproximá-lo das práticas internacionais, têm provocado mudanças significativas na forma como empresas e credores negociam suas dívidas. Para o economista Paulo Narcélio, embora as atualizações tragam avanços em termos de transparência e agilidade, elas também alteram o equilíbrio de forças no ambiente empresarial, ampliando o poder dos credores e criando novos desafios para os empreendedores.
“O que se observa é um pêndulo que se moveu em direção aos credores. O devedor perdeu parte da autonomia para negociar um plano de recuperação ajustado à sua realidade”, afirma.
Segundo o economista, esse movimento tende a tornar o ambiente de reestruturação mais hostil e menos eficiente, especialmente para as pequenas e médias empresas, que representam a maior parte do empreendedorismo no país.
Da proteção ao empreendedor ao predomínio dos credores
A Lei nº 11.101/2005, que estabeleceu as regras de recuperação judicial e falência, foi atualizada pela Lei nº 14.112/2020, com o objetivo de tornar o processo mais eficiente e próximo das práticas internacionais. Entre as principais mudanças estão a criação de mecanismos de mediação e conciliação pré-processual e o reforço das garantias a credores com direitos reais ou extraconcursais.
Segundo Narcélio, apesar de promover maior segurança jurídica para o sistema financeiro, a nova legislação “estreitou o espaço de negociação do devedor”, permitindo que credores, em especial bancos e fundos, imponham condições mais rígidas ou dilatórias.
“Na prática, isso pode inviabilizar acordos equilibrados e reduzir as chances de sobrevivência das empresas que realmente precisam se recuperar”, avalia.
Risco de práticas predatórias e novas barreiras ao crédito
Outro ponto de preocupação destacado pelo economista é o aumento das garantias concedidas aos credores DIP (debtor-in-possession), que financiam empresas em recuperação com prioridade de pagamento. “O problema não é o instrumento em si, mas o desequilíbrio que ele cria quando o devedor perde totalmente o poder de barganha”, explica.
Para Narcélio, há risco de que o modelo atual estimule práticas predatórias, com empresas recorrendo repetidamente ao instituto da recuperação judicial sem fiscalização efetiva. “O resultado pode ser um ciclo de insolvências, prejuízos para os credores e distorções na livre concorrência”, pontua.
Impactos sobre pequenas e médias empresas
O especialista alerta que as pequenas e médias empresas (PMEs) são as mais afetadas pelo novo cenário. Sem estrutura jurídica e financeira para negociar em pé de igualdade com grandes credores, muitas acabam encerrando atividades antes mesmo de tentar uma reestruturação formal.
“O alto custo do dinheiro no Brasil e o enfraquecimento do poder de negociação tornam a recuperação judicial quase inacessível para o pequeno empreendedor”, diz. “Isso compromete empregos, renda e o dinamismo da economia real.”
Como evitar a judicialização da crise
Para Narcélio, a principal estratégia das empresas deve ser antecipar-se à crise. Ele recomenda práticas de gestão financeira preventiva e renegociação constante de passivos, antes que a situação se torne insustentável.
Entre as medidas que podem reduzir o risco de insolvência estão:
- Monitorar de forma contínua o fluxo de caixa e o nível de endividamento;
- Renegociar prazos e juros com credores antes do colapso financeiro;
- Diversificar fontes de crédito e manter reserva de capital;
- Buscar assessoria especializada em reestruturação e governança.
“Recuperação judicial não deve ser a primeira opção, mas o último recurso. Com planejamento e gestão, é possível evitar a perda de controle e preservar a saúde financeira da empresa”, resume o economista.
Equilíbrio como desafio futuro
Apesar das críticas, Narcélio reconhece que a Lei 14.112 representa um avanço em termos de transparência e agilidade processual. No entanto, defende ajustes que estabeleçam o equilíbrio entre devedor e credor e garantam condições mais justas para quem busca recomeçar.
“Um ambiente de negócios saudável depende de confiança e previsibilidade para todos os lados. Se a lei se tornar um instrumento de punição, e não de recuperação, perde-se o propósito original: preservar empresas viáveis e manter a economia funcionando”, conclui.
Sobre Paulo Narcélio

Paulo Narcélio Simões Amaral é economista formado pela UERJ, com MBA em Finanças pelo IBMEC e especializações internacionais em instituições como Wharton, INSEAD e Berkeley. Com mais de 30 anos de experiência, atuou como executivo e consultor nos setores de telecomunicações, energia, tecnologia e educação, liderando processos de fusões, aquisições e reestruturações financeiras que somam mais de R$20 bilhões. Atualmente, é investidor nas áreas de logística portuária, MedTech e energia, com foco em estratégias de turnaround e gestão de alta performance.
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